Uma Saudade: Megaliga MTV e a Drogaria de Desenhos Animados

A MTV começou a sofrer uma reformulação na virada do século 20, para muitos o primeiro baque da emissora. Parte dos apresentadores haviam saído do canal que decidiu secundarizar os videoclipes e apostar em atrações na proposta das outras estações de TV além de direções musicais duvidosas.

Nessa leva de mudanças uma das mais inusitadas foi a origem da Drogaria de Desenhos Animados.

O publicitário Marco Pavão após ter algum êxito experimentando animação vende a ideia de um cartum onde os VJs atuariam como numa espécie de Liga da Justiça. A MTV compra a ideia e Pavão ao lado do outro animador Thiago Martins e do próprio apresentador Cazé Peçanha criam a Drogaria de Desenhos Animados. Em paralelo, Martins e Pavão formam a Estricnina para projetos não ligados à MTV.

A primeira empreitada foi a Megaliga MTV de VJs Paladinos, com algumas amostras sendo exibidas em 2003 no programa Gordo à Go Go apresentado pelo João Gordo do Ratos de Porão até ganharem horário próprio no ano seguinte. MegaLiga rendeu umas três temporadas, parodiava o antigo desenho dos Super Amigos, mostrava sempre os VJs enfrentando artistas modinha vilanescos quando não sofriam ameaças oriundas da própria MTV Brasil.

A trama contava com VJs fixos como o Cazé bancando um professor Xavier, Marina Person, Penélope entre VJs mais itinerantes, o João Gordo, Marcos Mion, Thaíde e até a Daniela Cicarelli. O desenho continha vozes originais dos apresentadores e muitos artistas faziam pontas como a dupla Sandy & Júnior, Nasi e o Supla.

Quanto aos vilões, geralmente eram a hype daquele momento, tipo a Avril Lavigne ganhando a paródia da Avril Latrina, que fazia músicas para adolescentes se rebelarem contra seus pais e consequentemente a música ruim acabava viciando os mais velhos também. De inimigos internos, tinha por exemplo, Paulo Bonfá, comentarista esportivo que desejava mais futebol e menos música na emissora. Usava artistas controlados mentalmente para capturar os VJs.

O êxito de Mega Liga foi suficiente para a MTV permitir carta branca maior na construção de uma nova animação. Mesmo assim, ela precisava de algo remissivo ao canal. Foi assim que surgiu “Fudêncio e seus Amigos”, inspirado num boneco tosco sem nome, mostrado nos programas do João Gordo.

A Drogaria queria um show possível de exportar e menos preso a uma época como acabou ocorrendo em Mega Liga. Também fariam as vozes e dependeriam menos dos inconstantes horários para os VJs dublarem. Vale lembrar que o desenho investiria em piadas mais pesadas e palavrões aos montes. Era basicamente um South Park tupiniquim.

Começando pelo próprio nome do boneco, que deixava claro sua postura sempre disposta a esculhambar o que estivesse em seu caminho, em especial um garoto caqui chamado Conrado. Ele era sempre confundido com um tomate e nos primeiros episódios sofria as consequências de Fudêncio devido a sua inocência, mas depois os criadores resolveram deixá-lo babaquinha também e Fudêncio passou a merecer fazer suas anarquias.

Havia outros personagens nonsense, a garota niilista Funéria, o aluno vigarista Peruíbe, a professora mal amada Cude, o diretor boa praça Balthazar Barata entre outras milhares de figuras absurdas. Os episódios tiravam muito sarro das condições do Brasil sem tomar partido de nada e sacaneavam sem papas na língua algumas figuras públicas e grupos sociais. Parodiavam também o programa de auditório do Silvio Santos. Num desenho, um líder das FARC, noutro os carecas do ABC ensinavam o alfabeto ou ainda o ninja preto canibal do Piauí alardeado num programa policial sensacionalista estilo Brasil Urgente.

Fudêncio alcançou quase duzentos episódios e arriscou alguns spinoffs, citando Fudêncio 3000 que parodiava seriados de ficção científica ou o talk show da Funéria nos moldes de Space Ghost Costa à Costa. No auge da Drogaria, Pavão e Marthins dirigiram seus próprios desenhos, contendo poucos episódios, respectivamente Rockstar Ghost e The Jorges.

Rockstar Ghost era protagonizado por Nasi do Ira! que cumpria o papel de caçar artistas fantasmas surgidos quando alguém girava os discos ao contrário. Ali aparecia Sid Vicious, Freddie Mercury, Janis Joplin e até Adoniran Barbosa como um oráculo. Seu último episódio conta com uma guinada interessante.

The Jorges zombava de uma banda fundo de quintal querendo a todo custo conquistar o sucesso. Fornalha era o líder mal humorado do grupo, dublado pelo Jimmy London do Matanza, era geralmente o escada para os absurdos da história melhor aceitos por Amaury, o baixista imbecil e Paradise que nada falava.

A Drogaria é cancelada nos tempos finais da MTV que chegou a lançar alguns dvds dessas animações. Das quatro produções, Fudêncio foi sem dúvidas a mais lembrada e longeva. Por quase uma década Martins e Pavão foram pioneiros na serialização de desenhos animados nacionais produzindo coisas satisfatórias dentro das limitações da época.

Diferente do declínio da MTV Brasil, a dupla seguiu adiante com a sua Estricnina e até hoje produzem comerciais e animações serializadas. De todo o fenômeno cultural que foi a MTV Brasil, a Drogaria também foi marco tanto no canal quanto no quesito de desenhos nacionais. Mesmo hoje valem ser assistidos.

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