G.B.H – Teatro Odisséia, RJ (29/08/2011)

Daniel Croce em show de “true british punk rock”… quem me conhece um pouquinho de “cena” no RJ, deve estar lendo algo errado, ou achando que enlouqueci. Nem um nem outro, cara pálida, apenas isso é uma faceta do começo da minha adolescência, que sim, ficou esquecida no tempo, e no quesito “vou utilizar isso para compor para as minhas bandas? Não? Ok, NEXT!”. Só que isso não quer dizer que eu deixei de achar divertido. Até acho que isso é a essência do rock and roll, que você, erudito de revista e jornal mainstream, andou ouvindo por aí, dizendo que “metal e progressivo não é rock”. Ambos são divertidos! Punk rock é igualmente divertido, e as vezes nem precisa ser “aquilo” de bem feito. Você até vai se perguntar: “qual será a próxima empreitada não-metal dele?”. Pra todos que responderam Tears for Fears, acertaram em cheio, mas, isso é coisa pro mês de outubro.

O G.B.H., sigla para o termo judicial na Grã Bretanha “grievous bodily harm” ( algo como o nosso “lesão corporal grave” ), nasceu em 1978 na pontinha da cauda do cometa da 1a onda punk criada pelos Sex Pistols, como “Charged GBH”, e pelos idos de 1984 encurtado para a maneira que conhecemos. Lançou seu debut em 1982 ( ou seja, ainda sob a alcunha longa ) simpaticamente entitulado de “City Baby Attacked by Rats”, onde já provava ao mundo o porquê de sua existência: disparar sobre o status quo, sobre o estilo de vida inglês e europeu, contra os governos e a política, ok, todos sabemos para o quê o estilo punk rock existe, certo?

É correto afirmar que eles são egressos da galera “street punk” do começo dos anos 80, que por sua vez são filhotes do estilo “oi! music”, que era basicamente composto pela classe operária. O street punk é aquele estilo literalmente escrachado, onde se usa corte de cabelo moicano, e comumente colorido, roupas de couro ou jeans, spikes e rebites incrustados nas vestimentas, dizeres anárquicos ou nomes de outras bandas pintadas ou costuradas nas mesmas, toda forma que pudesse chocar a sociedade, os “velhos”, os “puritanos” de plantão, reacionários e socio-politicamente privilegiados com o sistema.

Sobreviventes portanto, há 33 anos, um ano a mais que este locutor que vos escreve, estão o vocalista Colin Abrahall e o guitarrista Colin Blyth. Fato consumado que são duas lendas vivas ambulantes. Completam o time dos dias de hoje, o baixista Ross Lomas ( que não estava na fundação da banda, porém está desde os anos 80 ) e o ( excelente ) batera Scott Preece, que não se apiedou dos meus queridos pratinhos alugados para o evento, e está no time desde idos de 1994.

Ao se deparar com um set list beirando 30 músicas, o menos experiente no assunto se assusta. Mas é só você se dar conta de que o bom e velho punk rock inglês gira em torno de canções com 2 minutos a 3 e meio, raras sãs as que chegam a quatro, e aí a coisa faz mais sentido. E mesmo hoje em dia, continuo concordando que o estilo não precisa MESMO mais do que isso, ou sinceramente deixa de ser punk rock. Ele pode se revitalizar, ser melhor tocado, mais técnico, ser melhor produzido, conter harmonias entre duas guitarras, backing vocals, contudo se firular demais, perde a espontaneidade, e até o cunho de música nascida para o protesto.

Mesclando faixas do mais novo lançamento, de 2010, “Perfume and Piss” ( mais um título “daqueles”: “perfume e xixi” ), com músicas que percorrem outros 10 lançamentos anteriores, o que sempre é esperado de uma banda “clássica” de punk rock, estava lá: rodas, mosh pits, músicas emendadas, pouco “lero lero” e muita ação. Se Sid Vicious fosse uma deidade, ele estava lá, se fazendo presente em forma etérea, e abençoando os presentes, com um pouquinho do fog inglês, e um pouco da revolta dos filhos da Rainha, da sua classe operária ( os “blue collar workers” ), aqueles que bradavam há 30 anos “no future”, e certamente, para MUITOS destes, realmente nada mudou, continuam sendo peões, peças numa grande máquina estatal. Alias, gente, punk rock é isso: é vociferar sobre o quão “pawn” alguns nasceram para ser. Esses PRECISAM ser azeite para lubrificar a máquina do Estado, dos governos, precisam ser consumidores de cultura popular, do “povão”, realimentando sempre a edição do século XX e XXI da política romana do pão e circo. Punk rock nasceu da visão deste esquema e subsequente não aceitação dele, porém, sabiam que seriam impossível destruí-lo: você sabe que a avalanche vai te engolir, é somente questão de tempo, e não há muito que fazer nem pra onde fugir. GBH encarna isso na sua essência, na sua atitude e na sua música.

Nem mesmo uns sumiços no som de guitarra de “Jock” Blyth incomodaram o público ( ok, um pouco a ele, mas aí é perfeitamente compreensível ), nem fizeram esfriar o show, que posso afirmar não ter havido “ponto baixo”. Abrahall começou a apresentação um pouco tímido no tópico interação com o público, porém depois de assistir a meia hora de um punhado de centenas de pessoas, de diversas idades, cantando suas músicas, acho que ele meio que deixou isso de lado, e passou a protagonizar mais momentos de aproximação ao pé do palco, e até mesmo no final, ajoelhou-se e cantou junto com a insana massa que se aglomerou para roubar um “tiquinho” de microfone com ele. Bis? Não teve: um bom punk rock é parte disso também, posto que é show, porém não é “lero lero”, estrelismos e “mise en scene”: e sim, chegar, passar o recado, tocar o terror, abrir algumas cabeças ( nem que seja via alguem voando sobre a sua depois de um stage dive ) e se mandar em seguida, sem ver o resultado de tanto caos sonoro.

Eu vou aqui deixar meus INÚMEROS pedidos de desculpas à banda de abertura, sob a singela alcunha de Arrôto, por não poder cobrir a apresentação deles, dado um misto de compromissos profissionais ( também conhecido como trabalho assalariado ) e sanitários: graças a uma intoxicação alimentar que quase me tirou de campo mesmo, e miraculosamente voltei a me sentir melhor ao menos em tempo para cobrir a fantástica passagem desse monstro sagrado do street punk britânico.

Texto e Fotos: Daniel Croce

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